1 de novembro de 2010

Um conto: "Gritos de um Rapaz" [completo]

Sentado, Luís pensava nos últimos dias da sua vida. Tudo o que tinha conquistado ao longo dos anos, tudo aquilo pelo que ele tinha lutado e esgotado as suas forças estava agora destruído. Tudo não passava de uma memória que parecia tão mais antiga do que realmente era. A verdade é que tudo se desabara à apenas uma semana, a semana mais longa e dolorosa da sua vida. E ali a seu lado estava Pedro, sorridente, entretido a contar as cadeiras da sala de espera.
Pedro tinha 24 anos e sofria de esquizofrenia desde à aproximadamente 2 anos e meio, exactamente a altura em que a mãe de ambos começou a ter crises cardíacas. O pai tinha-os abandonado ainda eles eram umas crianças. Luís, com mais 5 anos que Pedro, era um rapaz saudável e, até há bem pouco tempo, bem sucedido. Por vezes ele desejava ser como o irmão, gostava de não se dar conta do mundo que o envolvia, gostava de não ter noção de nada do que estava a acontecer. Mas o destino não o tinha presenteado com tal sorte.
E agora ali estava ele, recém despedido por não ter concretizado o negócio que lhe custou a “cabeça”, recém falido por toda a despesa a que o estado da mãe obrigava. Há uma semana atrás, com apenas 53 anos, ela tinha tido uma crise cardíaca mais grave que todas as anteriores e tinha sido obrigava a ficar internada. Segundo os médicos a única solução era instalar um quádruplo bypass, implantação essa perigosa, cara e possivelmente fatal.

Enquanto a cirurgia acontecia, Luís não evitou pensar em como seria se a mãe falecesse. O que seria de Pedro? Não tinha dinheiro para pagar um internamento ao irmão, logo teria de se assumir como responsável por ele. Mas como conseguiria reconstruir a sua vida com o irmão a seu lado? Esforçou-se por afastar aqueles pensamentos de si.
Passadas 4 horas o médico anunciava o fim da operação. Segundo ele tudo tinha corrido pelo melhor, no entanto a mãe apenas estaria pronta a receber visitas na manhã seguinte. Decidiu ir para o apartamento com Pedro, precisava de descansar. Nas últimas 5 noites não tinha dormido mais que 3 horas. Ia tomar um comprimido para dormir e talvez conseguisse deixar de pensar em tudo aquilo.
Na manhã seguinte, às 9h Luís acordou, surpreendido por ter conseguido dormir tantas horas. Levantou-se e procurou por Pedro. Não havia nem sinal dele. Ligou ao porteiro e ele disse-lhe que Pedro tinha saído duas horas antes. «Só pode ter ido para o hospital.» pensou Luís, e mal lá chegou teve a péssima sensação de que estava certo. O hospital estava repleto de carros de polícia. Luís rompeu por entre a multidão e mal chegou à porta viu Pedro, algemado, a ser escoltado por dois agentes.
- O que fizeste Pedro? – perguntou ele sem se dar conta de que tinha feito a pergunta aos gritos, concentrando as atenções todas nele.
- Ela estava a sofrer mano, tinha de a deixar descansar! – respondeu calmamente Pedro.

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